O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deve seguir com seu ritmo de corte da taxa básica de juros, a Selic, de 0,5 ponto percentual na reunião desta quarta-feira, 31/01, para 11,25% ao ano.
Qualquer perspectiva de aceleração do afrouxamento monetário está descartada, diante de uma dinâmica inflacionária que voltou a dar sinais de alerta. O mercado de trabalho aquecido têm deixado os preços de serviços mais resilientes.
“A inflação continua em 3,5% em 2025 e 2026, que é para onde o BC está de olho. Da última reunião para cá, a taxa de câmbio mudou pouco. Então, não vejo motivo pelo qual o BC busque alterar seu plano de voo”, explica o economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles.
O risco fiscal segue no radar do Copom, assim como possíveis alterações na meta de déficit zero proposta pelo governo. Mesmo assim, Salles prevê uma Selic entre 9% e 9,25% no fim de 2024.
“Os economistas calculam um déficit entre 0,5% e 1% do PIB. Se as coisas caminharem para essa direção, tendo a achar que o efeito no mercado não seria grande. E, claro, se o governo cumprir a meta, isso terá um efeito positivo”.
Para a economia americana, nada deve mudar na política monetária nesta ‘Super Quarta’, com os juros mantidos entre 5,25% e 5,50% ao ano. No entanto, o economista-chefe do C6 vê espaço para um debate do Federal Reserve (Fed), o BC americano, sobre um início de corte dos juros.
“Inicialmente tínhamos previsto dois cortes de juros na curva, mas começamos a achar que serão três – em linha com que o Fed tem sinalizado. Portanto, será um corte no segundo trimestre, um no terceiro e o último no quarto trimestre”, conclui Salles.
Confira abaixo a entrevista completa com o economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles.
Bora Investir: O Copom deve manter o plano de cortar a Selic em 0,5 ponto percentual na reunião desta quarta-feira ou pode surpreender e mudar o rumo?
Felipe Salles: É muito difícil o Copom surpreender nessa reunião, portanto muito provavelmente o corte será de 0,5 ponto percentual, como o comitê já vem sinalizado há muito tempo. A novidade será com relação ao comunicado, ou seja, do que se espera para a próxima reunião.
Normalmente, quando o Copom ou qualquer banco central acelera ou diminui o passo, é porque já começa a mirar numa taxa terminal diferente. Eu não acho que essa taxa terminal tenha se alterado na visão do Copom. Isso porque os fundamentos, principalmente aquilo que a gente acha que vai ser a projeção dos modelos do Copom, devem ter mudado muito pouco da última reunião para cá.
Então, por exemplo, vamos pegar as previsões da pesquisa Focus. A inflação continua em 3,5% em 2025 e 2026, que é para onde o Banco Central está de olho. Isso não alterou. Da última reunião para cá, a taxa de câmbio mudou muito pouco também. Então, não vejo motivo pelo qual o BC busque alterar seu plano de voo.
Bora Investir: A prévia da inflação de janeiro mostrou que os preços se espalharam por mais itens e a inflação de serviços subiu. Esse cenário impede uma aceleração nos cortes da Selic?
Felipe Salles: O IPCA-15 veio bem mais baixo daquilo que o mercado esperava, mas o número não foi tão bem-visto assim. Isso aconteceu por conta das passagens aéreas e dos núcleos [medida que captar a tendência dos preços e desconsidera choques temporários].
Tem motivos para preocupação, mas não é suficiente para fazer o Banco Central mudar de ideia. Isso porque o passo de 0,50 ponto percentual que o BC implementou é moderado, já tem uma cautela na escolha desse ritmo.
O fato do IPCA 15 ter vindo com uma composição menos benigna, por assim dizer, justifica e dá força para que o Copom continue nesse passo. Isso é, reduz as apostas de um corte mais agressivo.
Bora Investir: O Copom nota que a inflação está mais baixa, mas fora da meta. Pelo lado da economia como um todo, quais fatores têm pesado sobre os preços?
Felipe Salles: Eu gosto de quebrar o comportamento da inflação em pedacinhos, porque cada um tem um fundamento diferente. Começamos com alimentos e bens industriais – que é uma decomposição que o próprio Banco Central faz – e que tiveram uma inflação muito baixa no ano passado.
O motivo principal foi a queda do preço das commodities, combinada com uma apreciação do real. Esse foi um vento extremamente deflacionário. Setores como leite, carne – boi come soja, então acaba sendo indiretamente uma commodity, frango come milho, etc. Em bens industriais, também tiveram queda as matérias primas como metais e petróleo para transporte. Isso fez com que a inflação caísse com muita força em 2023.
Por outro lado, os serviços tiveram uma redução mais tímida, menos intensa, puxada pela diminuição da inflação como um todo. Então, os serviços aproveitaram de forma indireta essa queda de commodities. A gente vê também sinais de que o mercado de trabalho no Brasil está muito aquecido. A taxa de desemprego está em queda e temos o crescimento dos salários medido pela PNAD Contínua. Por isso que a inflação de serviços ficou mais resiliente.
Quando a gente olha para 2024, vemos que essa queda de commodities não deve se repetir. Isso é reflexo de uma normalização das cadeias de produção que sofreram uma ruptura na época da pandemia. Soma-se a isso a continuidade do mercado de trabalho aquecido. Portanto, essa inflação tende a andar mais ou menos de lado ao longo desse ano.
Bora Investir: O país registrou em 2023 o segundo maior déficit fiscal da história, publicou o Tesouro Nacional na segunda-feira. Esse número pode impactar na decisão do Copom?
Felipe Salles: O déficit de R$ 230 bilhões já estava no preço e não surpreendeu o mercado ou o Copom. Isso não vai alterar o plano de voo. Porém os riscos fiscais continuam. A gente está em dúvida de quanto das medidas para aumentar a arrecadação de fato vão se confirmar em mais recursos para o cofre do governo. Ainda existe uma incerteza grande.
O fiscal é o calcanhar de Aquiles da economia brasileira e não é de hoje. É um problema que há décadas, assim no plural, várias décadas, a gente tenta solucionar. E, de fato, vira e volta, a gente se vê novamente falando no mesmo assunto. O Banco Central está de olho no risco fiscal, é algo para se acompanhar.
Bora Investir: A possibilidade de mudança na meta de déficit zero para este ano pode complicar o processo de afrouxamento monetário?
Felipe Salles: Pode sim atrapalhar, apesar de não trazer grande repercussão no mercado. O problema é que o diabo está sempre nos detalhes. Então é preciso ver o quanto vai mudar a meta. Vai ser muito? Vai ser pouco?
Uma alteração muito cedo pode ser interpretada pelo mercado como um abandono muito rápido da meta de zerar o déficit das contas públicas. Isso tem um risco. Então quanto mais tarde mudar e se for mostrado um esforço para tentar cumprir é melhor. Obviamente, quanto menor for a mudança da meta, mais bem recebida será. Agora, usando o jargão da profissão, alguma alteração já está no preço.
No boletim Focus, os economistas calculam um déficit entre 0,5% e 1% do PIB. Se as coisas caminharem para essa direção, tendo a achar que o efeito no mercado não seria grande. E, claro, se o governo cumprir a meta, isso terá um efeito positivo.
Eu não estou querendo de maneira alguma reduzir ou subestimar o risco fiscal. Só identificar o que está mais ou menos nas projeções. E são as surpresas que vão acabar movendo os cenários e os preços.
Bora Investir: O Copom têm repetido nos comunicados: “ambiente externo desafiador”. Como você vê o cenário internacional hoje e os impactos para a política monetária?
Felipe Salles: O cenário internacional está mais benigno, principalmente nos Estados Unidos. Vemos a economia americana crescendo num ritmo robusto. Acabou de sair o PIB americano com mais um trimestre de crescimento acima do previsto, com um consumo resiliente. A gente continua vendo criação de empregos, salários sólidos, desemprego perto das mínimas históricas.
Quando olhamos para a inflação – vemos a métrica favorita do Fed [Banco Central dos Estados Unidos] que é o Core PCE – ele já está há seis meses rodando em torno da meta. Quer dizer, se continuar nos próximos seis meses desse jeito, ele vai para a meta.
Nesse cenário se consegue manter um crescimento, ou seja, não tem recessão ou uma desaceleração muito forte, sem desemprego e com inflação convergindo para a meta. É um cenário excelente, porém existem ainda alguns riscos. Apesar da métrica de inflação estar próximo da meta nos últimos seis meses, o próprio Federal Reserve vê uma inflação subjacente mais alta. Ou seja, tirando os itens mais voláteis ao ciclo econômico, se vê os preços mais altos. Então fica a dúvida do quão sustentável seria essa desaceleração do Core PCE.
O risco maior hoje nos Estados Unidos não é uma recessão e sim uma manutenção da inflação por mais tempo, num patamar acima da meta. E aí, quando a gente olha para esse conjunto de inflação subjacente, a gente vê uma inflação ainda um pouco alta. De qualquer maneira, o fato do Core PCE estar rodando perto da meta é uma boa notícia. Portanto, acho o cenário externo mais benigno do que na última reunião.
Bora Investir: O boletim Focus projeta uma inflação em 3,86% no fim de 2024, acima da meta de 3%, com uma Selic em 9%. Essa também é a sua projeção?
Felipe Salles: A nossa expectativa é de uma Selic terminando 2024 em 9,25%, praticamente igual ao Focus. Acreditamos que esse é o valor que o Copom tem buscado sinalizar em suas comunicações, que seria compatível com a inflação indo para a meta no horizonte relevante.
Bora Investir: Indo agora para a decisão de juros nos EUA. A taxa deve ser mantida? O comunicado pode trazer sinais de quando ela pode começar a cair?
Felipe Salles: A decisão de agora será parecida com a do Copom, no sentido de que não teremos surpresa, ou seja, os juros vão ser mantidos como estão. O que precisamos ficar de olho é em que intensidade os membros do Fed já vão começar a discutir a corte de juros e se já vão entrar nesse debate.
O mercado recentemente estava precificando um corte em março. Agora já se tem uma dúvida se seria em maio. Entretanto, os investidores acreditam que o Federal Reserve vai entregar vários cortes neste ano. Nos últimos discursos, o Fed tem sinalizado três cortes.
Na minha visão, o Federal Reserve faz bem em ir de maneira cautelosa. Até porque, como eu disse antes, as medidas de inflação subjacente ainda estão elevadas. A autoridade monetária deve olhar para um conjunto amplo de informações e não só para um índice de inflação, que é o Core PCE. Quando observamos esses dados, a cautela para baixar juros é bem mais recomendada.
Tem dois erros que o Banco Central pode cometer: cortar demais ou cortar de menos. Se cortar demais impacta a inflação. Se cortar de menos, pode se cair numa recessão. Me parece que o risco de colher uma desaceleração da atividade ou uma recessão hoje é relativamente baixo.
Bora Investir: O mercado anda confuso de quanto esse corte de juros virá. Para o C6, essa queda dos juros deve acontecer em março ou maio?
Felipe Salles: Inicialmente tínhamos previsto dois cortes de juros na curva, mas começamos a achar que serão três – em linha com que o Fed tem sinalizado. Portanto, será um corte no segundo trimestre, um no terceiro e o último no quarto trimestre.
Bora Investir: O início do afrouxamento monetário nos EUA pode facilitar o trabalho do Copom em baixar a Selic?
Felipe Salles: Pode sim. Quando cai os juros nos Estados Unidos, naturalmente, se o Brasil mantiver os juros alto, o país atrai dólares e a cotação da moeda americana cai. Com isso, a inflação também perde força e o diferencial de juros fica mais favorável para o Brasil. Com o dólar depreciando o real apreciado, a inflação cai.
Claramente existe uma relação entre juro nos Estados Unidos e no Brasil. Assim, o banco central americano afrouxando a política monetária mais intensamente, provavelmente isso leva a mais quedas de juros no Brasil também. Não é algo mecânico ou direto. Esse mecanismo passa necessariamente pela inflação.
Bora Investir: Para encerrar queria perguntar sobre as mudanças no Banco Central, com a saída do atual presidente, Roberto Campos Neto, no fim do seu mandato em dezembro de 2024. O perfil do novo indicado do governo já é uma preocupação dos analistas?
Felipe Salles: É muito difícil de medir isso, mas temos notado que as previsões de inflação pelo boletim Focus estão em 3,5% em 2025 e 2026 – diferente dos 3% neste ano. Isso mostra uma possibilidade de que os analistas já estejam colocando algum entre aspas no prêmio de risco, pelo fato de não saberem quem será o próximo presidente do BC. Então, de fato, essa questão pode ter algum efeito nas projeções e no mercado. É uma hipótese, mas provavelmente é a hipótese mais plausível.