Desde a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na semana passada, investidores e agentes do mercado aguardavam com ansiedade a divulgação da ata da reunião. O motivo? Após diversas decisões unânimes, o colegiado divergiu sobre o ritmo de cortes. Em uma votação de 5 a 4, ganhou a redução do passo para 0,25 ponto porcentual, para 10,50%, mas os votos dissidentes pediam a manutenção do corte de 0,50 pp.
No entanto, para muitos analistas, a ata reforçou a vigilância dos membros sobre a inflação. Segundo a autoridade monetária, “todos os membros concordaram que a adoção de uma política monetária mais contracionista, mais cautelosa e sem indicações futuras sobre os próximos movimentos mostrava-se mais apropriada diante do cenário global incerto e do cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas”, diz a ata.
O documento ainda ressalta que o entendimento é pela manutenção da política monetária contracionista e a taxa de juros terminal deverá consolidar não apenas o processo de desinflação mas também a ancoragem das expectativas de inflação em torno das metas. “Por fim, todos corroboraram o entendimento de que a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”, diz a ata, em linha com o tom o comunicado.
“A ata do Copom de hoje veio em busca de convergência, não só da inflação, mas dos argumentos dos que votaram por cortes de 25 e 50 pontos-base”, resumiu Marco Antonio Caruso, economista-chefe do PicPay.
Para Jansen Costa, sócio fundador da Fatorial Investimentos, o grupo do BC que votou pela manutenção do corte de 0,50 ponto porcentual no juro básico no Copom de maio não deve ser visto como leniente a um quadro de mais inflação. “E isso pode acalmar. A credibilidade do BC não foi abalada”, avalia.
A divergência, vista de forma muito negativa na semana passada, foi menor do que o mercado imaginava, afirma Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe Warren Investimentos. “A ala dissidente, que foi favorável a um corte de 50 bps, deu peso maior ao guidance da reunião de março ao custo reputacional de não o seguir, fiando-se no debate se houve alteração significativa do cenário prospectivo”, afirma, em nota.
“Já a ala majoritária apontou que o cenário esperado não se confirmou, tendo em vista a desancoragem adicional das expectativas, a elevação das projeções de inflação, o cenário internacional mais adverso e a atividade econômica mais dinâmica do que esperado”, diz Goldenstein.
Para a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, a ata deixou um pouco mais claro o voto dos membros do comitê que optaram por um corte de 0,50 ponto porcentual na Selic. “Ficou claro que foi uma questão ligada a romper com o guidance da reunião anterior”, comenta Vitória.
O economista da ASA Investments, Leonardo Costa, discorda. “O esforço de explicação quanto à divergência não nos parece ser suficiente para reduzir o aumento da incerteza no mercado, com o risco de uma composição do Banco Central mais dove a partir de 2025”, escreveu Costa, em nota.
Ele acrescenta que, conforme o esperado, a ata focou em “suavizar” a divergência entre os membros do Copom, com o custo de abandonar o guidance indicado na reunião anterior.
Dúvidas sobre a Selic terminal
No comunicado e na ata, o Copom não indicou qual será o ritmo de corte de juros na próxima reunião. No último relatório Focus, publicado na segunda-feira (13/05), o mercado esperava uma Selic de 9,75% ao ano no fim de 2024. Para 2025, a perspectiva é de que a taxa alcance 9%.
O colegiado destacou que os cenários para inflação seguem com fatores de risco tanto para cima quanto para baixo. Em seu balanço, voltou a destacar entre os pontos de pressão para alta a maior persistência das pressões inflacionárias globais e maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada, em função de um hiato do produto mais apertado.
Já entre os riscos de baixa, o colegiado ressaltou a desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada e os impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se mostrando mais fortes do que o esperado.
Com a avaliação do Comitê, parte do mercado passou a ver inclusive a possibilidade de que só seja feito mais um corte na taxa básica de juros. É o caso do Itaú Unibanco. “A ata do Copom veio bastante dura e, a nosso ver, abriu a porta para o fim do ciclo de flexibilização”, afirma o relatório assinado pelo economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita.
Por ora, o banco vê o Copom reduzindo o juro básico em 0,25 ponto na próxima reunião, em junho, “seguido por uma pausa prolongada”, com a Selic indo a 10,25% ao ano.
A equipe de macroeconomia da XP Investimentos também já coloca no seu cenário a possibilidade de fim do ciclo de redução da Selic. “Usando um modelo similar ao do Copom, nossos cálculos sugerem que a taxa Selic em ou acima da nossa projeção de 10% seria necessária para trazer a projeção de inflação de 2025 para a meta”, dizem os economistas, em relatório. “Especialmente porque vemos a expectativa de mercado de 2025 subindo ainda mais nas próximas semanas.”
Na avaliação de Rafaela Vitória, Banco Inter, a ata deixou claro que os próximos passos do comitê estão em aberto e que ainda não há consenso entre os membros do colegiado sobre qual será o nível terminal da taxa Selic, ao final do atual ciclo de afrouxamento. “O tamanho da restrição monetária suficiente para a reancoragem de expectativas ainda é a principal dúvida”, avalia.
BC mais dovish no ano que vem?
Outro ponto de dúvida que surgiu após a decisão divergente foi sobre o perfil do Copom no próximo ano, quando a maior parte dos membros do colegiado terá sido indicada pelo atual governo.
Vitória considera que a chance de uma postura mais dove por parte da autoridade monetária a partir do ano que vem segue existindo. “Na verdade isso está colocado desde o ano passado, quando o governo começou a criticar muito a condução da política monetária”, comenta.
Para ela, porém, é preciso deixar claro que um BC mais dove não significaria a ausência de decisões técnicas por parte do colegiado. “Nossa visão é que um BC mais dove não necessariamente é risco para política monetária. A própria diferença de escolha da última reunião ainda pode ser interpretada como diferença técnica. Há precipitação no mercado em achar que haverá perda de credibilidade”, afirma.
*Com informações da Agência Estado