Uma das últimas nações a operar com juros nominais negativos no mundo, o Japão elevou sua taxa de juros de 0,1% para 0,25% ao ano. Quem está acostumado com o Brasil (a Selic atual está em 10,50%) pode pensar que a mudança é pequena. Mas essa medida foi capaz de movimentar os mercados financeiros no início desta semana. Na segunda-feira (05/08), o principal índice da Bolsa de Tóquio, o Nikkei, registrou um tombo de 12,4%. Outras bolsas pelo mundo também foram afetadas. Isso porque a elevação dos juros no Japão levou a um desmonte das operações de carry trade. Para o Brasil, o impacto pode ser no aumenta das chances de fuga de dólares em investimentos, apontam especialistas.
A inflação no Japão avançou de 2,5% em abril para 2,8% em maio, acima da meta de 2% do Banco Central do Japão (BoJ). Em março, a autoridade monetária já havia tirado a taxa de juros do negativo (-0,1%) para 0,1%, uma mudança que não acontecia há oito anos. No final de julho, o cenário econômico não apresentou mudanças, o que levou o BoJ a seguir no combate à inflação.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) destacou, em relatório publicado em fevereiro, que a posição cautelosa do BoJ levava em conta o histórico de deflação pelo qual o país passou. O documento apontava também para sinais contraditórios da economia, como os riscos para a inflação com o fortalecimento dos salários nominais de um lado e a retração do consumo no mercado interno do outro.
Após anos com crescimento fraco, o Japão perdeu a 3ª colocação para a Alemanha no ranking de maior economia do mundo, segundo o FMI. Com isso, os alemães despontam com um PIB nominal de US$ 4,43 trilhões, enquanto o Japão registrou US$ 4,23 trilhões.
Juros mais altos no Japão, e agora?
No conceito geral econômico, o aumento de juros pode levar a uma valorização da moeda local. A elevação da taxa é também uma ferramenta da política monetária para combater a escalada da inflação, porque dificulta o acesso a crédito e desestimula os investimentos.
“O que ocorre é uma valorização da moeda local, assim tem um estímulo às importações e um desestímulo às exportações”, explica Marcos Barbieri Ferreira da Faculdade de Ciências Aplicadas na Universidade Estadual de Campinas (FCA-Unicamp). “Então, uma ampliação da taxa de juros tem um impacto contracionista, de reduzir o crescimento da economia, seja pelo consumo das famílias, investimento das empresas, gasto do governo ou exportações. Tudo isso se reduz com o aumento da taxa de juros.”
No caso do Japão, Barbieri destaca que a nação foi uma das últimas a elevar a taxa de juros no pós-pandemia. “O Japão é um caso excepcional principalmente no pós-pandemia, quando ajustes na cadeia produtiva levaram a um aumento inflacionário. Diversos países elevaram suas taxas de juros, como EUA e a Europa, mas o único que continuava em juros negativos era o Japão. Qual o objetivo? Se um aumento da taxa leva a uma redução e contração na economia, uma taxa negativa visava estimular o crescimento da economia.”
Ir na contramão do mundo não garantiu o crescimento econômico que o Japão esperava, o que despontou em uma recessão, mas com algumas diferenças, de acordo com o professor de economia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Fernando Henrique Dias. “A recessão japonesa é completamente diferente de uma num país periférico. A gente acha que o país está indo à falência, mas não é nesse sentido. Significa que só deixou de crescer como gostaria, então, o banco central tem que mexer na taxa de juros e começar a valorizar a moeda para protegê-la.”
E o carry trade nessa história?
Em razão da taxa de juros negativa desde 2016, os investidores internacionais usavam a moeda japonesa, o iene, para montar uma estratégia chamada de carry trade. O objetivo dessa operação é operar vendido em uma moeda com taxas de juros baixíssimas (que era o caso do Japão até então) e aplicar em outro país onde as taxas fossem mais elevadas (isso inclui países emergentes, como o Brasil, que mantém uma taxa básica de juros em 10,50% ao ano).
Com a mudança nos juros japoneses, as operações de carry trade foram liquidadas por muitos gestores e investidores institucionais. Para os dois professores, o impacto disso no Brasil deve ser sentido na fuga de dólares em investimentos, mas sem efeito sobre a economia real brasileira.
“Em março a taxa negativa foi interrompida e agora houve essa sinalização de aumento. Isso leva as operações de carry trade a terem prejuízos. Diversos operadores carregados de dívidas agora procuram liquidá-las e encerrar suas operações. Isso faz com que recursos aplicados nos países emergentes sejam retirados. É um impacto marginal, mesmo na economia brasileira. Isso leva à retirada de dólares, com impacto no câmbio e também pela própria especulação”, observa Barbieri.
O iene deve se valorizar, segundo Dias, e a saída de dólares do Brasil tende a desvalorizar o real. “Eles vão deixar de alocar nos países periféricos para pagar o que estão devendo. Eles devem pagar essa dívida e deixar de pegar esse dinheiro no país emergente. O dólar vai sair do Brasil, isso em questão de investimentos. O iene vai aumentar e o dólar desses investidores sai do Brasil. Vai ser uma pressão muito grande em cima da nossa moeda.”
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