Apesar da restrição na emissão de títulos isentos realizada pelo governo no início do ano, o investimento de pessoas físicas nesses produtos cresceu 4,1% de janeiro a maio deste ano na comparação com o fechamento de 2023, de acordo com Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O que atrai os investidores pode estar no “efeito hipnótico” desencadeado pela isenção do Imposto de Renda dos títulos, mas os especialistas alertam para os riscos em relação à rentabilidade.
O Conselho Monetário Nacional (CMN) alterou as resoluções que tratam da emissão de títulos de crédito imobiliário e do agronegócio para, segundo o governo, frear possíveis fraudes. A isenção do IR é voltada para esses dois setores através das Letras de Crédito (LCAs para Agronegócio e LCIs para Crédito Imobiliário), mas nem todas as emissões não tinham relação com a área e, com isso, abria-se uma distorção, avaliou o governo.
Além das LCIs e LCAs, outros produtos também são isentos dos IR, como Certificados de Recebíveis Agrícolas (CRAs), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs) e debêntures incentivadas.
Recentemente, ainda, foram criadas as Letras de Crédito de Desenvolvimento (LCDs), que ainda aguardam sanção presidencial, e poderão ser emitidas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outros bancos de desenvolvimento.
Ademir Correia Junior, presidente do Fórum de Distribuição da Anbima, afirmou ao Bora Investir que a taxa Selic em 10,50% mantém a atratividade desses títulos.
“Os isentos, em geral, continuam atrativos por causa da alta da taxa Selic. Não vemos perspectiva de baixa por enquanto e os juros devem demorar a cair. Então, os títulos isentos continuam sendo um produto atrativo, mas é sempre importante o cliente avaliar todas as opções na mesa. Hoje tem uma variedade de fundos e outros papéis, mas é importante o cliente analisar seus objetivos e prazos”, afirma.
O que são cada um?
Na prática, os CRIs e CRAs não são cobertos pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Essa é uma das grandes diferenças para as LCIs e LCAs.
Já as debêntures incentivadas são títulos de dívida emitidos por empresas para financiar projetos de infraestrutura, com incentivo fiscal para o investidor, segundo a consultora financeira da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Carol Stange.
Por fim, existem ainda os Fundos de Investimento em Infraestrutura (FI-Infra) para investir em projetos de infraestrutura, como rodovias, portos e aeroportos.
“A isenção de IR é, sem dúvida, um atrativo. No entanto, a rentabilidade final do investimento é o que realmente importa. Um investimento tributado pode, em alguns casos, oferecer um retorno líquido maior do que um isento, dependendo da alíquota de IR e do prazo da aplicação”, afirma ela.
Como comparar os ativos?
Segundo Stange, o investidor tem três etapas para comparar os ativos e descobrir qual trará a melhor rentabilidade de acordo com seus objetivos financeiros. Ela diz que o investidor deve aplicar a alíquota de IR sobre a rentabilidade bruta para obter a rentabilidade líquida.
“Avalie qual investimento oferece a melhor rentabilidade líquida, considerando também o risco e a liquidez de cada opção e leve em conta seus objetivos financeiros e seu perfil de investidor para escolher a opção mais adequada.”
Stange traz um exemplo para se calcular a rentabilidade líquida. Ao considerar a rentabilidade bruta de 9% ao ano de um CDB e alíquota de IR de 15% para um investimento de 12 meses:
- Calcular o desconto do IR: 9% x 15% = 1,35%
- Subtrair o desconto do IR da rentabilidade bruta: 9% – 1,35% = 7,65%
- Portanto, a rentabilidade líquida do CDB nesse caso é de 7,65% ao ano.
Vale lembrar, segundo ela, que a tabela de IR para investimentos em renda fixa é regressiva e varia de acordo com o prazo da aplicação.
CDB ou LCI?
Neste caso, Stange traz outro exemplo de cálculo para que o investidor entenda como a rentabilidade faz diferença em produtos tributados quando comparados com aqueles que não são.
“Nem sempre um investimento isento de IR pode ser a melhor opção. Por exemplo, um CDB pode superar a rentabilidade líquida de uma LCI, mesmo com a incidência do Imposto de Renda.”
Exemplo:
- CDB: Rentabilidade bruta de 12% ao ano.
- LCI: Rentabilidade bruta de 8,5% ao ano (isenta de IR).
- Prazo da aplicação: 22 meses
- Alíquota de IR para o CDB: 17,5% (tabela regressiva)
- Cálculo da Rentabilidade Líquida do CDB:
- Desconto do IR: 12% x 17,5% = 2,1%
- Rentabilidade líquida: 12% – 2,1% = 9,9%
“Neste cenário, mesmo com a incidência do Imposto de Renda, o CDB proporciona uma rentabilidade líquida superior à LCI. Ao comparar um CDB e uma LCI, é fundamental analisar a rentabilidade bruta e líquida através do cálculo do retorno real após o desconto do IR. Risco de crédito pode ser avaliado pela solidez da instituição financeira emissora do CDB. E a liquidez pode ser verificada pelos prazos de carência e resgate de cada investimento”, ressalta Stange.
Por que títulos isentos atraem?
Arthur Vieira, educador financeiro, explica que essa atração pelos títulos com isenção de IR costuma surgir a partir de uma combinação semântica. “Os produtos ‘isentos de imposto de renda’ são palavras que, quando conjugadas nessa sequência, têm efeito hipnótico sobre boa parte das pessoas. Muita gente fica maravilhada por saber que não vai pagar imposto, mas não faz a menor ideia do que está investindo. Uma decisão bem tomada sobre investimentos começa por saber o que pode dar errado e quanto perco se der errado. Ou seja, começa por compreender os fatores de risco do investimento”, salienta.
Ele destaca que o investidor não deve olhar somente para o tipo de produto, se é isento ou não, mas sim para os riscos embutidos, a rentabilidade oferecida, a liquidez, a segurança, ou seja, o básico de qualquer investimento.
“Principalmente quando falamos de títulos privados não bancários, como debêntures incentivadas, CRIs e CRAs, saber analisar o risco de crédito, identificar se existem garantias e a qualidade delas não é tarefa fácil para leigos. Não raro as pessoas assumem riscos que sequer conhecem, por retornos esperados pouco acima do que teriam com títulos públicos. Talvez a melhor alternativa seja investir nesses ativos indiretamente, por meio de fundos de investimentos.”
Já Carlos Castro, planejador financeiro pela Planejar, alerta que o investidor deve considerar o produto apenas no final de um processo de autoconhecimento: saber o seu perfil de investidor e quais são seus objetivos financeiros.
“Do ponto de vista de estratégia de investimento, a última etapa é a escolha do título. O investidor precisa entender quais seus objetivos de curto, médio e longo prazo. Qual seu perfil de risco de investidor, ou seja, sua tolerância à volatilidade. Com base no perfil e nos objetivos, você consegue chegar em uma carteira de investimento separada em renda fixa, variável, multimercados e [ativos] alternativos. A partir disso, a última etapa é olhar os títulos”, destaca.
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