Além de impactar diretamente a vida de milhares de pessoas pelo Brasil e pelo mundo, as mudanças climáticas devem ter efeitos ainda incertos na economia. Assim como o incêndio recente na região turística costeira de Valparaíso, no centro do Chile, como as ventanias na região sul do Brasil nos últimos meses, a intensidade dos fenômenos naturais dá sinais de que o El Niño deve ser mais rigoroso que o usual.
E, aí, começam os problemas econômicos. Isso porque, se tratando de investimentos, mais previsibilidade é sinônimo de condições melhores de estratégia para alocação de recursos. Com o tempo instável, entretanto, tudo fica mais incerto. Em especial, para o setor do agronegócio, que depende diretamente do clima.
“O agro é uma fábrica a céu aberto. Se São Pedro não manda chuva, não tem o que fazer. Se ele manda demais, a gente tem que dar um jeito. Mas não tem milagre, o campo depende do clima”, explica Felippe Serigati, professor do FGVAgro.
O que é o El Niño?
O El Niño é um fenômeno climático que acontece quando a temperatura das águas do oceano Pacífico se eleva. Com o mar mais quente, o clima no mundo inteiro se altera já que o calor nas águas influencia as chuvas e os ventos na terra firme.
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E ele não é anual: a estimativa é que aconteça uma vez a cada cinco anos. Normalmente, o El Niño é favorável para a agricultura nas América do Sul e do Norte, aumentando a produtividade das safras de milho e soja em razão do aumento de chuvas no sul e nas secas do norte e do nordeste.
Como ele afeta a economia?
Serigati explica que os problemas do El Niño não se manifestam no Brasil, já que o País acaba tendo incrementos de produtividade. O peso recai sobre a Austrália, a Índia e o sudeste asiático, cujos mercados domésticos demandam mais do que a produção interna pode atender.
“E se as safras deles são prejudicadas pelo El Niño, eles precisam importar mais da gente, o que vai pressionar o preço das commodities”, afirma.
Neste caso, estes produtos agrícolas passariam a ser disputados tanto por brasileiros, que comprariam em real, e estrangeiros, que comprariam em dólar. Nessa equação, o consumidor local sai perdendo conforme os preços aumentam, enquanto o exportador se beneficia e vende mais. “Mas isso nos casos de El Niño convencional”, destaca o professor.
Por que este El Niño pode ser um problema?
Se o El Niño adiciona uma dose de dúvidas nos mercados internacionais, um El Niño mais turbulento traz ainda mais preocupação. Segundo Julia Passabom, economista do time de pesquisa macroeconômica do Itaú, o fenômeno climático atual trará uma desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) do agro, que deverá ser de alta de 2,5% em 2024, após o incremento estimado para 2023 de 13,7%.
Isso porque, para ela, o El Niño deste ano deve ter uma intensidade entre moderada e alta. Um fenômeno realmente severo foi o de 2015 e de 2016, que implicou em quedas intensas de produtividade. “De maneira geral, o impacto do El Niño tende a ser mais negativo para a safra de milho e misto sobre soja”, diz, destacando que as duas culturas são as principais de exportação para o Brasil. Mesmo assim, a expectativa é que os efeitos sejam limitados ao passo que não se espera uma variação de temperatura tão brutal como a da década passada.
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Ao mesmo tempo, os sinais não são bons. “A gente está vendo uma seca muito forte no Amazonas e um volume de chuvas muito grande no Sul do Brasil. Essa pluviosidade está, inclusive, atrapalhando o plantio da próxima safra de milho e a colheita de trigo, aveia e canola…”, lembra Serigatti.
Para o professor, será necessário ver o El Niño se consolidar e demonstrar seus verdadeiros efeitos para, enfim, mensurar seu impacto na economia.
Como meu bolso deve ser afetado?
A variação nas safras do lado de lá do Pacífico fazem os preços do lado de cá aumentarem, devido à lei da oferta e da demanda. Isto é: se australianos e indianos precisam de mais arroz e seus agricultores não são capazes de atender a demanda local, eles compram de fora. E o Brasil, por acaso, é o maior exportador de commodities agrícolas do mundo. Neste caso, os preços do mercado interno seriam elevados devido à lei da oferta e da demanda. Mas, se as safras locais também forem penalizadas, a tendência é que o preço de todos os alimentos – mesmo os “imunes” ao El Niño – encareçam. Afinal, tudo na economia é interligado: se o produto X tem uma redução na oferta e seus preços aumentam, os consumidores são induzidos a ir para o produto Y. Este, por sua vez, não estava preparado para a leva adicional de consumidores, o que faz seus preços aumentarem por consequência, e assim por diante.
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