terça-feira, 3 de dezembro de 2024
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PIB brasileiro pode surpreender novamente em 2024, diz Marcelo Fonseca

IBC-Br, considerado uma prévia do PIB, sobe 2,45% em 2023

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Nos últimos anos, o PIB brasileiro vem surpreendendo os economistas e o mercado para cima. Para o ano de 2023, resultado que será conhecido nesta sexta-feira (1º/03), a expectativa é de crescimento de 3%, muito superior ao 0,8% esperados pelos economistas no início do ano passado, segundo o relatório Focus.

O bom desempenho do agronegócio foi o principal fator a explicar a surpresa, mas não o único. O desemprego caiu a níveis vistos pela última vez em 2014. O consumo das famílias acelerou mais do que o esperado, o que deu sustento ao setor de serviços. Na esteira do bom desempenho do ano passado, as perspectivas para 2024 também são positivas.

Segundo Marcelo Fonseca, economista-chefe da Reag Investimentos, o mercado já começa a revisar suas expectativas para algo em torno de 2%. Para ele, esse número pode se tornar um consenso.

Em entrevista ao Bora Investir, Fonseca comentou o desempenho da economia no ano passado e as perspectivas para 2024. Falou também dos riscos externos vindos da China e dos Estados Unidos, e sobre o que poderia impulsionar o crescimento brasileiro no longo prazo. Confira!

Bora Investir: O resultado do PIB de 2023 será conhecido na sexta-feira (1º/03) e a expectativa do mercado é de um crescimento perto de 3%, bem acima do que a gente esperava no começo do ano passado. Tivemos um resultado forte do agro, mas foi a única surpresa?

Marcelo Fonseca: A surpresa principal, sem dúvida nenhuma, foi a do agro. Mas não foi só. Acho que o outro principal diferencial foi o efeito da expansão fiscal produzida pela aprovação da PEC da transição, que permitiu um aumento de gastos e transferências da ordem de R$ 200 bilhões. Isso promoveu um estímulo enorme para a demanda agregada, principalmente o consumo das famílias, o que beneficiou em particular o setor de serviços.

O desempenho do mercado de trabalho também refletiu esse ambiente econômico, esse aquecimento da economia. A gente olha, a taxa de desemprego caiu muito além do que se pensava. Na verdade, a gente vinha de um ambiente de política monetária apertada, se esperava até uma elevação da taxa de desemprego, com um desaquecimento dos rendimentos. De forma geral, a gente viu justamente o contrário e eu acho que a principal determinante para isso foi a expansão dos gastos.

Bora Investir: Eu ia perguntar exatamente da dinâmica do mercado de trabalho. Tivemos essa queda do desemprego, a taxa média de 2023 foi a menor desde 2014, e como você falou, isso não seria esperado com uma taxa de juros tão alta. De que forma esse mercado de trabalho mais forte tem se comunicado para outras variáveis macroeconômicas?

Fonseca: De uns meses para cá a gente vê uma maior resiliência da inflação de serviços. A inflação como um todo vem se comportando muito bem, o efeito climático, juntamente com a super safra ajudou bastante na queda do preço dos alimentos, você tem um processo de queda de preços industriais no mundo, com um ambiente surpreendentemente benigno para o preço do petróleo, e também a normalização das cadeias produtivas que ajudaram muito a recuperação da produção e da oferta de bens manufaturados. Isso ajudou muito a inflação.

O lado dos serviços tem uma dinâmica um pouco destoante disso, a gente vê na verdade há algumas leituras, a inflação de serviços surpreendendo para cima. Isso tem sim a ver com esse contexto que eu mencionei aqui, que é um contexto de uma economia que está mais aquecida do que se esperava, em grande medida com o mercado de trabalho apertado, recuperação dos rendimentos, isso tem uma comunicação direta com a dinâmica da inflação de serviços e a raiz de tudo isso é essa expansão fiscal. Então, sim, a inflação é um termômetro que está consistente com esse quadro, principalmente a inflação de serviços.

Bora Investir: Estamos em um momento de queda de taxas de juros e existe um atraso para que isso chegue na economia. Essa queda de juros já começa a ser sentida de forma mais acentuada?

Fonseca: Já, eu acho que o principal termômetro é que o crédito já começa a responder ao movimento todo de corte de juros do BCB. Isso tem se transmitido já nos últimos meses para o crédito na ponta, na queda da taxa de empréstimo, das operações bancárias, a gente também, concomitante com esse desempenho legal da economia, uma redução da inadimplência.

Isso vem permitindo os bancos a aliviarem, de uma certa forma, os critérios para as concessões e, com isso, a gente já nota uma retomada das novas operações, das novas concessões. Então, já há, sim, uma transmissão visível para a ponta, para, digamos, o lado real da economia do processo de queda.

Bora Investir: E isso pode trazer novas surpresas para cima da atividade econômica?

Fonseca: Eu acho que sim. Eu acho que a gente está num processo de revisão das estimativas do PIB para 2024. Por exemplo, eu já tenho uma projeção que o PIB deve superar, em 2024, o patamar de 2%. Talvez a gente veja esse número se tornar, se já não é, um consenso aí entre a maioria dos economistas.

Bora Investir: Olhando também para a perspectiva para os riscos aqui para 2024, a gente teve no começo do ano problemas no mercado acionário da China. Como isso pode afetar o Brasil?

Fonseca: A China está numa situação bastante delicada. A economia tem demonstrado um esgotamento do modelo de crescimento que foi utilizado nesses últimos anos, muito concentrado na infraestrutura, principalmente construção residencial. E a gente viu já os sinais de que esse modelo se esgotou, com os problemas de crédito que começaram a surgir nos últimos dois anos entre diversos gigantes da área de incorporação imobiliária.

A dificuldade agora é fazer a transição para o modelo de maior participação do consumo doméstico, dos serviços, maior valor adicionado na indústria. Então, essa transição coloca desafios, principalmente quando você tem um governo que adotou uma postura muito intervencionista, que tem afugentado boa parte do capital estrangeiro.

Além disso, há um meio geopolítico de sanções econômicas bastante duras, ou pelo menos restrições de acesso a algumas tecnologias de ponta, por parte dos Estados Unidos. Então, a China certamente vai ter dificuldade de fazer essa transição. O risco é você ter novas decepções nos números de crescimento, desapontando, inclusive, as projeções mais conservadoras.

Bora Investir: Do lado dos Estados Unidos, também temos outro fator importante, que é o Fed precisar retardar o início da taxa de juros. Como isso afeta o Brasil? Isso acaba reduzindo o espaço para o BC brasileiro cortar juros?

Fonseca: No contexto em que a economia está muito aquecida, é um cenário parecido com esse que eu descrevi aqui no Brasil, só que mais intenso, com um crescimento muito robusto, mercado de trabalho muito apertado. O risco é a inflação voltar a subir, o que obrigaria o Fed a repensar toda essa ideia de começar a cortar os juros em breve. Esse é o outro risco principal.

Eu ainda acho que o Fed vai acabar cortando os juros, mas talvez mais tarde do que se pensava, talvez em algum momento no segundo semestre.

Mas acho que o BC tem um ambiente favorável para cortar os juros. A inflação está caindo, ainda que com essas ressalvas, acho que o BC vai acabar entregando uma Selic muito em linha com o que é o plano deles, talvez um pouco abaixo de 9%. Se o FED vier a cortar, que eu acho que ele vai fazer, acho que não tem muita discussão em relação a isso, a menos que aconteça aí uma coisa muito surpreendente, isso ajuda também, através aí do, principalmente do comportamento do câmbio, a dar tranquilidade para o BC seguir adiante. O BC está, de certa forma, bem posicionado, não tem motivo para mudar tão cedo a estratégia.

Bora Investir: E no cenário doméstico, quais os riscos?

Fonseca: E aqui dentro é a mesma história de sempre. A questão fiscal continua muito delicada. Para 2024 a gente tem ainda a contribuição de algumas receitas que não são recorrentes, que vão ajudar no resultado primário esse ano. Mas a dinâmica de médio prazo é muito preocupante e a estratégia de você recuperar os saldos primários exclusivamente por meio de aumento das receitas não para de pé. Vai precisar em algum momento voltar à discussão para valer sobre controle dos gastos públicos. Infelizmente a gente não tem perspectiva disso no curto prazo.

Hoje esse o risco está de certa forma adormecido, os mercados decidiram deixar isso de stand-by, em grande medida porque o cenário internacional ainda está muito bem-vindo, a perspectiva de corte de juros do FED ajuda a colocar esses problemas para debaixo do tapete.

O risco é que sempre o cenário muda, e às vezes muda para pior. Alguma mudança no cenário global que faça os investidores voltarem a olhar para as fragilidades, e aí essa questão fiscal voltar à tona e com tudo, esse é o principal risco.

Bora Investir: O PIB do Brasil tem surpreendido para cima nos últimos anos, mas o que ainda falta para o Brasil crescer mais?

Fonseca: O crescimento potencial do Brasil é baixo. Acho que o lado positivo é que, talvez, em função de todas as reformas que foram feitas desde 2015, que foram diversas, parece que o crescimento potencial melhorou. Tivemos mudança no crédito subsidiado do BNDES, que permitiu uma maior alocação privada do capital com mais eficiência, a reforma trabalhista, o marco de concessões, que viabilizou investimentos bastante significativos em infraestrutura e agora, com o novo marco do saneamento, acho que você tem uma perspectiva muito favorável.

Mas as coisas são incrementais, não dão salto. Se a gente achava que o crescimento potencial era mais perto de 1%, hoje talvez seja um pouco acima de 1,5%. Mas ainda é muito baixo, como você falou. O que a gente precisa fazer é continuar insistindo na agenda de reformas.

A reforma tributária foi uma grande surpresa. Os efeitos dela vão ser efeitos bastante defasados no tempo, mas isso não deixa de ser positivo.

Acho que precisa de um assim, você voltar a pensar em reformas que melhorem o ambiente de negócios, reduzam as incertezas jurídicas e com isso dar mais fôlego para o setor privado investir, ter mais poupança para financiar os investimentos de longo prazo. São coisas em várias áreas, desde o microeconômico até o regulatório. E, sem dúvida nenhuma, mexer nesse abacaxi que é a dinâmica dos gastos públicos.



Fonte: B3 – Bora Investir

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